sábado, 30 de outubro de 2010

Nomes

 George Washington, 1º presidente dos EUA, em 1789.

Antes de falar, procurou no saco plástico um papelzinho amarrotado. A moça do cartório não se animara a aceitar o nome para o registro da criança. Mas era gosto do pai, e desconhecia todas as razões dele, que recorrera aos cuidados linguísticos da cunhada. A estudante anotara como lhe apetecera, escondendo a própria hesitação. Não era de novela recente, com certeza. Do estrangeiro, sim; inglês, provavelmente. Mesmo redito, a primeira dúvida, o nome não vencia: sexo. Afirmou menino; e tinha meses. A moça agourou a tormenta do garoto para o resto da vida: soletrar. Para prová-lo, sugeriu um teste. Nenhum circunstante, à simples pronúncia, conseguiu grafá-lo como estava no recorte: Clouzy. Recomendou uma conversa em família, e voltasse com um nome mais fácil. No outro dia, a serventuária esteve no coro dos amargurados com os dois a um da Holanda sobre o Brasil, mas logo recuperou o riso com a ruína da Argentina, sob os tentos de Miroslav Klose. Ah!, então era isso, o polaco Klose. Na segunda-feira, a mulher retornou com outro papelzinho: Uósto.

Crianças

― Vamos brincar de presidente?

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Aviso aos navegantes!

De Sônia Maria Amaral Fernandes Ribeiro - Juíza de Direito, em São Luís-MA:

"De uns tempos para cá, tenho sido alertada por amigos que posso ser vítima de calúnia, injúria e difamação por parte de uns poucos, insatisfeitos pela forma com que me conduzo na vida profissional.

Noutro dia, um advogado amigo veio me avisar que ouviu bochichos de que estes poucos estariam tramando formas de me atingir.

Agradeci o aviso e o carinho demonstrado com a preocupação, mas de pronto afirmei que este podia ficar tranqüilo, pois, a despeito de ter muitos pecados como qualquer ser humano, nada existia em minha vida profissional e pessoal que causasse desabono, já que nunca cometera qualquer crime ou conduta inadequada. Enfim, nunca vendi sentenças, atendi pedidos, usei meu cargo para ganhos pessoais ou para benefício de terceiros.

Recentemente, porém, tomei conhecimento que esses delinqüentes estariam de posse de uma série de documentos que comprovariam a minha participação como cotista de empresas privadas e participação na direção de uma cooperativa de crédito. Seus intentos seriam de plantar tais documentos na imprensa, para repercussão jornalística, e ingressar, concomitantemente, com representação contra minha pessoa junto ao CNJ.

Primeiro, respondendo a quem interessar possa, sou de fato há muitos anos, mais precisamente 28 anos (mesmo tempo que tenho de casada), sócia cotista das empresas do meu marido. Ou seja, 07 anos antes até de ser juíza, já era sócia cotista das empresas então formadas e me mantive em outras depois constituídas. Tal conduta em nenhum momento afronta as normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria.

Nesse sentido, em diversos julgados (vide PP nº 18, da relatoria do Conselheiro Claudio Godoy; PP nº 775/06, da relatoria do Conselheiro Marcus Faver; PCA nº 2008.10.00.000569-6, da relatoria do Conselheiro Técio Lins e Silva), o CNJ tem reiterado que não há qualquer vedação ao magistrado ser cotista ou acionista de empresas privadas. A única proibição é quanto ao exercício do cargo de direção, conforme se extrai dos artigos 95, parágrafo único, I da Constituição; art. 36, I e II da LOMAN; e art. 38 do Código de Ética da Magistratura.

No meu caso, comprovadamente pelos documentos constitutivos das empresas, que me colocam tão somente na condição de cotista, resta claro que não exerço qualquer função de direção. Ao longo desses anos, nunca assinei sequer um cheque das empresas, pois não tinha e nem tenho poderes para tal. É só pesquisar.

No tocante à cooperativa, quero dizer “aos navegantes” que se trata, também, de um mau caminho, nessa tentativa desesperada de impor-me mácula e colocar-me na mesma vala comum (ou seria pocilga?) em que habitam.

A cooperativa de crédito da Magistratura (estadual, trabalhista e federal), do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Procuradores do Estado do Maranhão foi fundada durante minha gestão enquanto presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão – AMMA, com o imprescindível esforço de colegas de cada uma dessas classes, sem os quais não teria sido possível criar a COOMAMP.

Percebemos a importância de criar uma cooperativa de crédito, que possibilitasse aos colegas crédito mais barato, pois o que se pagava ao mercado financeiro era (e é) um verdadeiro confisco, posto que os juros praticados são extorsivos. Isso, além de ajudar os colegas a equilibrar as finanças, permitia (e permite) maior tranqüilidade e independência, tão importantes no mister que exercemos.

Dito isso, passo a explicar o porquê da má opção de ataque feita pelos meus detratores, nesse segundo quesito.

No PCA nº 2008.10.00.000569-6, da relatoria do Conselheiro Técio Lins e Silva, acima citado, a despeito de a decisão deixar claro que, de fato, há incompatibilidade no exercício da magistratura com a direção de uma cooperativa, ao final resta claro que os atuais mandatos ficam preservados, não podendo, contudo, serem renovados.

Em suma, o CNJ ao tempo em que afasta a possibilidade de haver novos mandatos, a contar da decisão, permitiu que aqueles que estivessem com mandatos em curso (como é meu caso) continuassem a exercê-los até o final:

Acolho, entretanto, as ponderações feitas, durante o debate, no sentido de assegurar ao requerente a faculdade de permanecer no exercício do cargo até o encerramento do mandato. Publique-se. Comunique-se ao Requerente, à AMB, ao Presidente e ao Corregedor do TJRS.

Para o relator, a presidência de cooperativa, apesar de não resultar em nenhum ganho pecuniário ao magistrado, é vedada pela Constituição e pela LOMAN e fere o princípio da dedicação exclusiva imposta aos magistrados. Além disso, entende que a exceção prevista só se aplica à presidência de associação de classe.

A despeito de não concordar com a conclusão do CNJ, findo o meu mandato, no começo de 2011, me despeço do cargo. Entretanto, muito antes eu já tinha informado aos membros do Conselho de Administração que não mais aceitaria disputar o cargo.

Fiz isto não só em obediência à decisão comentada, mas também porque, confesso, após três anos ininterruptos sem tirar férias encontro-me, de certa forma, precisando abrir mão de algumas obrigações.

Mas se os prezados navegantes não pensam em desistir, forneço por mera liberalidade linhas de investigação sobre minha pessoa.

Visitem cada comarca em que trabalhei. Apesar de nunca ter vendido sentenças, atendido pedidos, usado meu cargo para ganhos pessoais ou para benefício de terceiros, quem sabe vocês não encontram pessoas iguais a vocês, dessas que são “amigas do alheio”, e que me detestam?

A Penitenciária de Pedrinhas também é uma boa dica. Lá estão (ou estiveram) alguns que, presos em face de sentenças que proferi, não gostam de mim.

Tenho consciência de que não sou perfeita. No ato de julgar, por certo, devo ter cometido algumas (ou muitas) injustiças. Graças ao bom Deus existem os tribunais, para corrigi-las em grau de recurso. Contudo, reafirmo, nunca errei de forma intencional, pois nunca vendi sentenças, atendi pedidos, usei meu cargo para ganhos pessoais ou para benefício de terceiros.

Para aqueles cujas condutas são pautadas na delinqüência, sei que é inconcebível entender que a conduta normal entre os homens e mulheres que exercem um múnus público é a de integridade profissional, sendo talvez por isso que se esforcem sobremaneira para manchar a reputação dos que procuram se conduzir na vida de forma correta.

Eu não mudarei meus valores e minha maneira de ser, pensar e agir. Todas as vezes que o exercício do meu mister exigir a apuração do que quer que seja, se chegar à conclusão da procedência, sempre – vou repetir – sempre farei o que dita a norma e a minha consciência. Não recuo. Não temo.

Não discutirei em qualquer espaço com os comentaristas anônimos e sob o manto de falsos nomes, que a mando dos delinqüentes descontentes comigo – e até por terem usufruído dos atos de delinqüência praticados – tentarão desconstituir meu discurso com ataques rasteiros. A estes a minha compreensão, afinal também perderam o ganha pão, mas nunca terão minha atenção.

Senhores navegantes, lhes darei um conselho final e de graça – apesar de não pedido: preocupem-se em viver suas vidas com o resto de dignidade que, acredito, todo homem tem, ainda que alguns a tenham em porção bem reduzida. Os tempos mudaram!

Sejam felizes, dentro dos seus valores, mas não tentem impor-me estes. Sigam em paz, e boa sorte."

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Regras



Na terça-feira (19/10), a presidente da AMPEM, Doracy Reis, protocolou no Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, pedido de providências com o objetivo de que sejam fixadas normas para as eleições de Procurador Geral de Justiça do Ministério Público Estadual, em todo o Brasil.

A AMPEM reclama da falta de disciplina quanto aos atos que não podem ser praticados pelos candidatos ao cargo, especialmente pelos que concorrem à recondução.

A não identificação de condutas vedadas representa fragilidade no processo eleitoral, possibilitando atos eleitoreiros, como nomeações que, as vésperas do pleito, alteram o colégio eleitoral.

A AMPEM sugeriu a criação de uma comissão para ouvir os interessados. E apresentou algumas propostas:

Proibição do uso de veículos de comunicação externa para fins de propaganda eleitoral. Disciplinamento dos espaços de comunicação interna, para garantir tratamento igualitário. Proibição da entrega de pen drives, notebooks, aparelhos de telefonia móvel, botons, camisetas, adesivos, e bens móveis aos membros do Ministério Público, que possam, eventualmente, caracterizar formas de cooptação eleitoral.

Proibição do uso de qualquer estrutura oficial, por ocupantes de cargos comissionados ou Procurador Geral de Justiça, se candidato, no período de 45 dias anteriores ao pleito, exceto com a autorização da comissão eleitoral e extensivo aos demais postulantes.

Desincompatibilização do Procurador Geral de Justiça que pretenda concorrer à recondução, 45 dias antes do pleito, para que os processos de remoção, promoção e os demais atos regulares da administração não sofram a pecha de favorecimento. Proibição de inauguração de obras, de nomeação de novos membros e de pessoal dos setores administrativos, efetivos e ou comissionados, e de exoneração, nos 45 dias anteriores ao pleito.

Fonte: Ampem

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Vício


Em 10/08/07, publicamos a postagem fecho éclair. O texto abaixo é sua reprodução integral. Agora, aqui e ali, felizmente, estamos ouvindo colegas que desejam acender esse debate: a questão das permutas dentro do Ministério Público. Mais alguém topa?

"Faz tempo, as questões relativas às permutas entre promotores caíram em terreno desagradável.

No início, o rigor não as recomendava antes de promoções por merecimento. Depois, “adivinhando”, ou tentando adivinhar, quem seria o promovido, foram, gradualmente, adquirindo a flexibilidade de um zíper, um fecho éclair.

Hoje, nada impede que alguém salpique permutas com vários colegas, numa mesma sessão do Conselho, desde que, entre uma e outra, formule pedido de dissolução da permuta. Não parece certo. E não o é.

Há promotores que literalmente lidam com os ossos do ofício: cidades isoladas, de difícil acesso, com pouca estrutura urbana; outros, nem tanto.

As promotorias têm titulares; donos, não. Um regramento mais consistente faria bem à Instituição e distribuiria com mais justiça ônus e bônus.

Recolhi exemplos de disciplina, em outros Estados:

No Rio de Janeiro, artigo 76, § 3.º, da LC 106/03:
§ 3º - É vedada a permuta entre membros do Ministério Público:
I - quando um dos permutantes estiver habilitado à promoção por antigüidade em razão da existência de vaga na classe superior;
II - no período de 1 (um) ano antes do limite de idade para a aposentadoria compulsória de qualquer dos permutantes.

Em Goiás, artigo 169, § 2º e 4º, da LC 25/98:
§ 2º - A remoção por permuta impede, pelo período de 1 (um) ano, a promoção por antigüidade.
§ 4º - Não será permitida a remoção por permuta quando um dos interessados contar com mais de 69 anos de idade ou tiver os requisitos necessários para aposentadoria voluntária.

Na Paraíba, artigo 106, § 3º, da LC 19/94:
§ 3º - É proibida a permuta, quando um dos interessados for o mais antigo na entrância ou tenha de atingir, dentro de um ano, a aposentadoria compulsória.

No Paraná, artigo 116, § 2º, da LC 85/99:
§ 2º. Não será deferida a remoção, se qualquer dos interessados figurar na primeira quinta parte da lista de antigüidade.

Em Rondônia, artigo 77, p. único, da LC 93/93:
Parágrafo único - Não podem requerer permuta os membros do Ministério Público que figurem, e ou, tenham figurado na última lista de promoção, por merecimento, e nem nos 03 (três) primeiros lugares do quadro de antigüidade.

Se o tema interessa, vamos à reflexão, ao debate!"

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Os três porquinhos

Aos 17 dias do mês de agosto do ano de 2010, em cumprimento ao Mandado de Penhora do MM. Juiz de Direito da Comarca, extraído dos autos do Processo nº 269/09, dirigi-me ao endereço nele constante, e ali sendo, após as formalidades legais, procedi à penhora de 03 (três) porquinhos, sendo um branco, um preto e um castanho, como garantia da execução de título judicial avaliado em R$100,00 (cem reais) e, em seguida, foi nomeado como fiel depositário [...]

domingo, 17 de outubro de 2010

Ne me quitte pas

“Francês!”, ele dizia, tentando convencê-la que o estudasse ao tempo do mestrado. Vezes, fechava os olhos para ouvir palavras que ela bem pronunciava com esmero: Toulouse-Lautrec, Jean-Paul Sartre, Brigitte Bardot, Claude Monet, Jean-Luc Godard. Para seu outono, sonhava que as filhas o mimassem com leituras em francês, ― sua predileta ceia de sabores sonoros, ― que, estimulando o espírito, poderiam, quem sabe, conter a temida caduquice, ou confortá-lo numa eventual tragédia incapacitante. Seu plano preventivo: são, anunciar desejo que, talvez, não pudesse expressar depois. Sentou-se à porta do futuro. O que viria?

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Escola

Quanto à legalidade, nenhuma dúvida (LC 13/91, 37, § 6º). Quanto à conveniência particular, perfeita. Quanto ao interesse público substancial, pode-se (deve-se) discutir. Afinal, não se justifica que três membros do Ministério Público sejam afastados de suas nobres e indelegáveis funções para dirigirem a mais que modesta Escola Superior. Um seria bastante. As funções auxiliares na Escola podem muito bem ser exercidas por pessoas que não sejam membros. Ou não?

domingo, 10 de outubro de 2010

Trocas

Torradas à parte, votos eram o motivo do chá. O compadre arquitetara o ágape em que fluiria o acerto ao estilo é dando que se recebe. Nem de longe rondou a auréola dos comensais macular sua afetada dignidade com a pecha de troca de votos, aquele câncer que corrói o espírito do populacho, com dinheiro e suas infinitas crias. Noutro nível, permuta, promoção e assessoria em troca de votos, ao contrário, são entendimentos sobre conjugação de esforços em busca do equilíbrio de interesses legítimos entre eleitor e candidato, com a finalidade de ultrapassar com astúcia e ousadia o esforço de adversários que têm menos a ofertar. Um casal de votos compensa mais que um solteiro. Dito e feito. Escoado o pleito, falta quitar apenas a promoção.

sábado, 9 de outubro de 2010

Dupla

BR-135, Km 33, Campo de Perizes 

“Eu e Deus”, disse, sem ânimo, o calejado policial de meia-idade, sob a penumbra dos alinhados eucaliptos, em frente ao posto rodoviário de Pedrinhas, ― cuja reforma não acaba nunca, ― já vencido o primeiro quarto de noite da última quinta-feira. Nem se levantou da cadeira de macarrão, ao balbuciar o nome, para receber a notícia de que havia fogo no capim alto e seco no Campo de Perizes, espalhando densa fumaça que invadia a estrada por uns trezentos metros e impunha aos motoristas que entravam e saíam da ilha o mergulho numa tenebrosa roleta russa. Ao supor que sua omissão pudesse se refletir em lamentáveis óbitos e lutos, o comunicante estacara sua viagem para alertar os policiais, e repetiu tudo umas três vezes, para enfatizar a gravidade da travessia a que se submetera fazia pouco, e o quanto temia pelos desavisados. Quando se avança num fumaceiro, perde-se, imediatamente, a noção do rumo, não se vê a um palmo, o perigo é real, imediato. Tolamente, ao vencer a fumaça, muitos se gabam de sorte ou experiência, sem se dar conta de que, talvez, a morte estivesse cobrando pedágio em outra freguesia. “Só eu e Deus”, suspirou com menos ânimo ainda o policial, evocando para si mesmo a gravidade trazida pela lembrança do que ocorrera dois anos antes com aquele protético. “Vou ver se chamo os bombeiros”, completou, ― como se admitisse que não adiantaria muita coisa, ― para aliviar a alma do aflito, que, ao deixar o local, cabisbaixo, pensava consigo: “Tomara que esse Deus seja um cara mais disposto!” Dia seguinte, nenhuma tragédia nos jornais. Deve ter sido graças a... a dupla.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Negócio

No Médio Mearim, sol a pino, no vigor de outubro, não se podia abandonar o chapéu, ainda mais com a urgência dos pequenos comícios do segundo turno, que revogavam qualquer privilégio quanto à escolha de horário ou local. Em frente ao Banco ainda se aglomeravam idosos vindos do interior para sacar a aposentadoria. Do outro lado, junto às tendas de alguns ambulantes de roupas, sapatos e farta bugiganga, onde se gastava algum dinheiro, fazia-se outra aglomeração, sob o fom-fom-fom arreliante dos carros de linha gritando por seus passageiros. Pelas bancas de comida, os fregueses justificavam a fama dos espetinhos de carne que, recendendo sobre as brasas dos fogareiros, defumavam o caminho com um cheiro gorduroso, quase irresistível. Na beira da calçada mais alta, com a pressa indispensável, primeiro, usaria a palavra um dos deputados mais bem votados na região, que ficara fora da lista por conta do quociente eleitoral. Baixo, queixo miúdo, cabelo arrumado com gel, camisa colada no corpo com a força do suor, olhos semicerrados pela claridade que caminhava para o meio-dia, iniciou a fala, e logo alguém à frente do povo estendeu-lhe um copo de alumínio com água fria para saciar-lhe a sede evidente. Como quem conta uma notícia sem interesse, não como um militante de boas refregas políticas, passou a agradecer a votação que recebera na cidade, e declinou até os nomes de alguns apoiadores locais, que meneavam a cabeça com discrição. Desprovido dos brilhos da oratória, seu palavreado chocho não empolgava, não cheirava e não fedia, contudo ia ajeitando seu lamento pelos votos que não haviam sido generosos em outras praças, razão de sua sentida infelicidade, até que, por esta senda, deixou escapulir a frase que o lançaria para a História: “Tenho uns amigos prefeitos, e fiz negócio com uns votos, mas não deu certo”. Relembrou seu passado vitorioso, suspirou pelo futuro, repetiu os agradecimentos do início e calou. Quem entendeu, fingiu que não. O orador seguinte, mais que depressa, buscou outro tom.

Luzeiros


Colegas: 300.
Subordinados: 150.
Espontaneidade: não tem preço.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Do acaso

Danada, numa dessas, engravidou. Casal de gêmeos. Mas continuou na fidelidade ao seu prazer. Um apreciador astuto, de meia-idade, viúvo, declarou os assentos, mesmo com o mexerico solto na rua, sobre outro suposto pai, talvez para manter acesso privilegiado à fonte. Estilo cada um na sua casa: cobertura semanal, por despesas infantis pagas. Mutualismo. Desgastando-se a relação, o dito cujo assumiu a suspeita de que não poderiam ser seus, pois nem pareciam. Exame negativo, lógico. Ela sabia quem a fecundara; a cidade sabia. Eram a cara! Agora, estranha que o tal se esquive e não partilhe entusiasmo em perfilhar seus rebentos. Pudera. Não tinha um, passar a dois, num piscar de olhos. Nome, família, sustento; revirar tudo. Há cinco anos, no final daquela festa no Alegre, para ambos, só interessava a libido. Por esse prazer, uns nascem bem, outros são vítimas, muitos serão.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Mosquito

Futuros eleitores na porta da seção do Mosquito, 03.10.2010

Brancos, sim, pelo menos as patinhas. Ela dizia, sem cara de nojo ou enfado. Nem era reclamação, mas um relato amistoso do que constatara no distante Mosquito, com suas casas de chão batido, sem banheiro, ou sentina, ou energia elétrica, onde, à noite, aquietadas as lamparinas, pequenos ratos faziam festa e corrida, entre os caibros, a coberta de palha, os fios de estender roupa e os surrados punhos das redes. Chegara no breu da noite, sem ao menos avisar e, ali, jamais estivera. Moradas esparsas, gente acolhedora e muito pobre. Conferindo os sons que, vindos da boca da mata, arranhavam o forte silêncio, custou a conciliar o sono, memorando os encargos do dia chegante. Manhã cedo, antes de instalar a única sessão eleitoral, teve de encarar a água gelada do riacho, num banho de Iracema. No desjejum, ao salivar o frito com um pouco de café preto e forte, pensou estar usurpando o que talvez fosse o almoço e o jantar daquela família de seis; recusar, porém, seria ofender, mostrar desprezo pelo oferecido. Poderia deixar como imagem seu sorriso largo e generoso, não um amuo de menina de cidade, manhosa e fresca. Às sete, ajuntados os ingredientes da mesa eleitoral, aguardava, à porta, com discreta ansiedade, os primeiros votantes. A maioria analfabetos ou quase, vindos da Travessia, outros com dificuldades na vista; votos demorados, incompletos, impossíveis. Uma paciência para perguntar quantos quadrinhos na tela, e encomendar a digitação de cinco, ou quatro, ou três ou dois números e um toque no botão verde, para aplaudir, ao final, o voto, heroicamente, rematado. O dia longo e quente resolveu consumir parte da noite, numa fila sem pressa. Foi a última urna a chegar à sede, mas sem cabedal suficiente para criar um segundo turno. Depois, partilhados a aventura e os risos, assentiu, convencida, que eram cinzas com patinhas "brancas", aqueles ratos. Menos reimosos que certos políticos.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Defesa

Audiência 1:

Audiência de instrução. Crime: furto em concurso de pessoas. Casal denunciado. Terceira testemunha de Defesa. Antes de iniciar o depoimento, a magistrada indaga:

- A senhora é parente de algum dos acusados?

- Desses aí? Deus me livre!

A Defesa não fez perguntas.


Audiência 2:

Audiência de instrução. Crime: tráfico de drogas. Após a oitiva de duas testemunhas da Defesa, a magistrada pergunta ao advogado se tem interesse em ouvir a terceira.

- Sim, claro!

A testemunha afirma que não sabe nada sobre o fato.

Ao ser perguntada se tinha conhecimento de que o acusado era traficante, diz:

- Uns dizem que ele é traficante, outros não.

O advogado abaixa a cabeça.


Audiência 3:

Audiência de instrução. Crime: furto em concurso de pessoas. Casal com vários processos em diversas Comarcas. Terceira testemunha de Defesa.

O Advogado: - Como a senhora considera o comportamento do casal na Cidade onde vocês moram?

- Muito bom. São pessoas boas, não mexem com ninguém. Ajudam os vizinhos.

O Promotor: - A senhora sabe se eles respondem a outros processos na Cidade onde a senhora mora?

- É, respondem a uns três, mas comigo são pessoas boas!

O Advogado pede licença para ir ao banheiro.

(Colaboração do colega Sandro Lobato)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Liberdade

É sua profissão. Nos últimos nove anos participou de pelo menos seis roubos a banco: Fortuna, Buriticupu, Mirador, Tasso Fragoso, Lago da Pedra e Dom Eliseu. Talvez de outros mais. Tiros a torto e a direito, cidades em polvorosa, reféns em agonia e fugas espetaculares. Calmo, magro, de média estatura e voz mansa, quase calado, seu rosto não denuncia o profissional devotado que é. Porque os humanistas insistem que a liberdade é um direito, vez por outra, constrangem-no a abraçá-la. Com efeito, recebe-a não para cultivá-la e preservá-la, como se iludem aqueles; tão-somente para, em conluio com a dita, aprimorar sua performance, de sorte que a liberdade não seja um fim, uma meta, só um instrumento necessário ao seu tabalho de roubar. Avizinha-se o próximo habeas corpus. Deve saber que a agência em Santa Rita ainda não foi. Ops!