terça-feira, 28 de agosto de 2012

Em busca do óbvio



Por Joaquim Ribeiro de Souza Júnior, Promotor de Justiça em Imperatriz

"Diante de tantos ataques que o Ministério Público sofre por tentar efetivar mandamentos constitucionais, decisões judiciais que favorecem a instituição e, por consequência, a sociedade, devem ser aplaudidas e comemoradas.

Neste sentido, merece destaque uma decisão da 2ª Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Regional do Trabalho em Campinas-SP. “O Ministério Público do Trabalho tem o direito constitucional de presidir inquérito civil”, decidiu a aludida Corte que cassou a decisão que suspendia investigação instaurada contra a Presseg Serviços de Segurança Ltda.

Extrai do site mantido pela Assessoria de Imprensa do MPT da 15ª Região que, em 2011, a empresa se comprometeu perante a Procuradoria do Trabalho em Araraquara, por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta, a não submeter empregados a jornadas irregulares, pagar salários conforme a lei, oferecer equipamentos de proteção e garantir a saúde no trabalho. Pouco tempo depois, porém, o corpo jurídico da empresa ingressou com ação anulatória na Justiça do Trabalho. Pediu liminarmente a suspensão dos efeitos do TAC. A juíza Evelyn Tabachine Ferreira, da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara, deferiu a liminar em favor da companhia. Ela determinou a suspensão do andamento do inquérito civil até o trânsito em julgado do processo.

Imediatamente o MPT impetrou Mandado de Segurança pedindo a cassação da decisão. Segundo o MPT, a decisão não encontra fundamentos na lei. “A legislação vigente, através do disposto no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal (...) ampara a impetração do Mandado de Segurança, já que o MPT sofre lesão contra seu direito de presidir inquérito civil, bem como ameaça de seu direito de exigir multa por descumprimento do TAC”, defendeu a procuradora Lia Magnoler Rodriguez.

O argumento foi aceito pela 2ª Seção de Dissídios Individuais do TRT de Campinas, que julgou procedente o Mandado de Segurança e permitiu que o inquérito retome seu regular prosseguimento.

A decisão judicial parece que apenas decidiu o óbvio, ou seja, a condução de inquéritos civis é prerrogativa constitucional do Ministério Público, cabendo à própria instituição decidir quando instaurá-lo e arquivá-lo. No entanto, em tempos sombrios em que se questiona, por exemplo, a legitimidade do MP para conduzir investigações criminais ou executar, no Juízo cível, débitos imputados a gestores pelos Tribunais de Contas em decorrência de malversação de recursos, até o óbvio precisa ser periodicamente reafirmado."

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Uma questão de sintaxe


Artigo 155 do Código de Processo Penal – uma questão de sintaxe

Por Celso Coutinho, filho.
Promotor de Justiça da Comarca de São Bento-MA.

Iniciado pelo Supremo Tribunal Federal o julgamento da Ação Penal nº 470, mais conhecida como o “Processo do Mensalão”, terminologia que causa arrepios em alguns, não tardou para se instalar o debate a respeito da valoração dos elementos de informação colhidos na investigação. Vou tentar lançar luz na discussão, a partir da sintaxe.

Diz, expressamente, o artigo 155 do Código de Processo Penal: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Recomenda a práxis interpretativa dos textos normativos-jurídicos que se parta do princípio de que as normas legais não trazem expressões inúteis. Assim, é impossível não notar que o art. 155 do CPP vale-se, em sua redação, da expressão “exclusivamente”.

Do ponto de vista morfológico, “exclusivamente” é um advérbio de exclusão. No entanto, o mais importante para a compreensão da mens legis trazida pelo art. 155 do CPP é saber, do ponto de vista da sintaxe, a função que o advérbio “exclusivamente” cumpre nesse texto legal.

Ora, poderia o legislador ter redigido o art. 155 do CPP sem o advérbio “exclusivamente” e ninguém estaria discutindo se o juiz poderia ou não fundamentar sua decisão nos elementos informativos colhidos na investigação. Seria irrefutável que não poderia. Vejamos como seria a redação do mencionado artigo, abstraído o advérbio “exclusivamente”. Teríamos: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. Não tinha o que discutir. O juiz não poderia fundamentar sua decisão nos elementos informativos colhidos na investigação. E pronto.

Entretanto, quando o legislador lança no texto o advérbio “exclusivamente”, na função de um adjunto adverbial, tudo muda. Obrigados que somos pela sintaxe a esquadrinhar qual a função desse advérbio no texto legal, temos que admitir, nesse raciocínio, que a oração “o juiz não pode fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação” é muito distinta da oração “o juiz não pode fundamentar sua decisão nos elementos informativos colhidos na investigação”. Uma coisa é uma coisa. Outra coisa é outra coisa. Sintaxe pura.

Quando optou por inserir no referido texto legal (art. 155, CPP), na posição que lá está, o advérbio “exclusivamente”, o legislador quis dar intensidade ao verbo “fundamentar”, permitindo, assim, ao juiz que vá buscar, nos elementos informativos colhidos na investigação, fundamentos para sua decisão, seja condenatória ou, mesmo, absolutória, somente não podendo “fundamentar exclusivamente” sua decisão nesses elementos.

Não sendo, portanto, as provas colhidas em sede de investigação rejeitadas pelas provas colhidas judicialmente, pode o magistrado formar a sua convicção pela livre apreciação de todo o acervo probatório posto à sua frente.

A impossibilidade de condenação com base em provas colhidas na investigação somente se apresenta em casos que o juiz não possua outra prova que não seja a produzida na fase administrativa da persecução penal, senão as exceções da lei, ou que essa prova não esteja alinhada com o acervo probatório produzido em juízo.

Tomemos um exemplo. Na fase de investigação, o sujeito confessa a autoria de um crime, dando detalhes de todo o iter criminis. Ao chegar em juízo, esse sujeito, já na condição de acusado e, portanto, réu, retrata-se, negando essa autoria, sem trazer as razões para tanto, i. e., para essa mudança de versão. O mesmo vale para a testemunha. O que fazer? Tomar como imprestável o depoimento da fase investigativa e saudações? Claro que não. Pensar o contrário ofenderia a nossa inteligência. A lei não pode nos obrigar a isso.

Uma retratação em juízo deve estar acompanhada da devida e comprovada justificativa para a nova versão dos fatos. Deve estar sustentada em argumentos sérios e fundados que façam desacreditar as palavras iniciais. Deve, inarredavelmente, vir apoiada em elementos outros que ratifiquem o novo posicionamento. Não basta a cômoda estratégia de negar simplesmente os depoimentos pretéritos. Deve ser apresentado pela defesa do réu um fato que macule o depoimento prestado na fase de investigação. Refiro-me a fato, i. e., que a alegação possua substrato no campo concreto, retirando-se do plano puramente argumentativo, adentrando, ao menos, na esfera indiciária.

Não pode a esfera judicial querer monopolizar a verdade, como a única capaz de obter depoimentos dignos de credibilidade. Nem se pode pensar que o ambiente da investigação faça os depoentes experimentarem uma vontade irresistível de se desatarem a mentir.

Contudo, imbuídos de um espírito mais realista do que o rei, ainda veremos o Brasil querer ensinar lições de garantismo penal a FERRAJOLI, desfilando os doutos com o que tenho chamado de teses de escafandro (ou seria teses de carretel?). Enfim. Nós e nossas jabuticabas.